terça-feira, 12 de maio de 2020

PERCEPÇÕES ACERCA DA IMPRENSA, AUTORIDADES E ESPECIALISTAS NO TRATO DE QUESTÕES REFERENTES À PANDEMIA

Por Lúcio Torres

Achar que a imprensa daria um tratamento imparcial à pandemia do coronavírus é não compreender que não existe discurso isento de ideologia e, como tal, ela reproduz em seus noticiários, reportagens e editais a dicotomia política em que se encontra a sociedade brasileira. Esta dualidade acabou por prejudicar a necessária condição de serenidade que o tratamento da crise de saúde pública exige no seu enfrentamento e desenlace.
Quando se estuda Análise de Discurso, um dos princípios com os quais se depara é aquele que prega que não há nos processos comunicativos manifestos pela linguagem verbal textos isentos dos ideais presentes naqueles sujeitos cuja intencionalidade se faz manifesta. Aliás, a intencionalidade da fala e do uso da língua foi por demais estudada e compreendida nos estudos linguísticos de diversos autores e especialistas no assunto. Por falar em “especialistas”, estes são requisitados à exaustão pela imprensa quase que como detentores de unanimidade. Mas isto será tratado logo mais.
O momento político pós-eleição - a qual parece não ter terminado - deixou como legado perverso a incapacidade da sociedade de estabelecer critérios de pensamentos isentos da ideologia ideológico-partidária. A imprensa acaba por também fazer parte deste palanque eleitoral interminável, tendo em vista os interesses de determinados meios de comunicação subjugados pelo atual governo e as rusgas existentes de ambas as partes de tal situação advinda, leia-se Rede Globo de Televisão e Folha de São Paulo, principalmente. Imagino que o leitor esteja agora ponderando que o presente texto é um texto pró-governo, haja vista ter mencionado os interesses prejudicados das referidas empresas. Isto só confirma a mencionada dicotomia social de que, quem não é a favor de um, é do lado do outro. É lamentável tal pensamento. Ele é, por fim, o motivo pelo qual estamos nesta situação tão perversa de não saber que rumo tomar, e acabando por andar em círculos. Infelizmente, os que assim pensam se surpreenderão ao ler o texto até o final.
Ao se buscar um contraponto em outros veículos comunicativos supostamente livres de “ódio” nutrido pelo governo, esbarramos exatamente na mesma falta de isenção, desta feita traduzida pelo alinhamento ideológico e assim se confirma a premissa inicial da inexistência de conteúdos não ideológicos e sim de “interesses”, não somente no processo comunicativo, mas em todo processo linguístico discursivo. Isto por si não é problema. O problema é os meios comunicativos não deixarem claro para o espectador/leitor/ouvinte a que se destinam sua posição clara e inequívoca, o que seria, antes de tudo, ético. Ao não fazê-lo, deixa-se aqueles a quem se direcionam sem um norte, sem a capacidade de se posicionarem e estabelecerem pontes de significados e, consequentemente, de formarem sua opinião.
Voltando ao tema da pandemia, mas relacionando o que foi posto até aqui, quando não há um posicionamento explícito sobre a ideologia presente neste ou naquele veículo de comunicação, o que se produz são matérias jornalísticas que buscam satisfazer ao fim e objetivo maiores que, na verdade e infelizmente, não são o de informar, mas o de deixar marcado implicitamente seu real objetivo, às escuras, diga-se de passagem. Esta maneira distorcida de produzir informação se traduz por noticiários repletos de situações degradantes e desgraça que possuem um lamentável e mórbido desejo de disseminar o medo e o pânico, cujos interesses maiores e inequívoco escopo resvalam no governo e seus descaminhos. Chega-se a ver neles a reprodução do óbvio mecanismo do instinto de sobrevivência, pelo qual se ataca o oponente que é ameça de maneira feroz e inconsequente. Mas que responsabilidade possuem os que assim agem, desprovidos do senso de coletividade que move nações mais desenvolvidas e menos desavergonhadas?
Reflexo destas posições definidas e pré-estabelecidas de maneira a afirmar o seu status quo, é a requisição pelos diversos telejornais e afins, dos mais variados e autointitulados “especialistas” no assunto (no caso, a pandemia por coronavírus) cada qual com previsões - muitas delas que não se confirmam - que carecem de estudos realmente sérios que possam ser comparados de maneira também séria e parcimoniosa (quando não também contraditórios ensinamentos que servem para se constatar que até médicos, epidemiologista, infectologistas e outros "istas" carregam também alguma ignorância). Mas, por que haveria de ser assim, quando, de fato, o que se pretende é semear a desinformação? Antes, este é justamente o fim maior.
Por outro lado, o governo é inoperante, inábil e débil, o que favorece a exploração dos que a ele são contrários, ao extremo. É patético ver a escalada de tropeços e movimentos incendiários da trupe de Brasília, encabeçada pelo seu chefe maior; até quando a situação lhe é favorável - o que é raro de se ver - dá-se um jeito de piorar as coisas por meio de declarações inoportunas e/ou comportamentos piores ainda. Assim fica difícil. Têm-se a impressão de que o governo não precisa de inimigos, pois ele mesmo o é de si.
De outra forma, mas não menos sorrateira, perniciosa e aviltante, estão os governadores e prefeitos que querem “mostrar serviço”, pois visam ao dia 4 de outubro - notadamente os senhores João Dória e Wilson Witzel, presidencialíssimos - e qual palanque melhor poderia existir que a providencial pandemia na sua visibilidade e oposição ao governo federal? Consequentemente, e novamente seguindo “especialistas em nada”, publicam decretos, às vezes, desprovidos de coerência, estudo, método e aplicabilidade, tratando um todo com precoces e injustificadas medidas restritivas, quando somente uma parte dele as exigia naquele momento. Não pensaram assim quando permitiram a realização do carnaval (provavelmente o vírus já circulava nesta época, segundo "estudo" da Fiocruz).
   Lembra-me o fato de, em princípios de março, quando começaram a pulular atabalhoados e infundados decretos de toda a sorte: primeiro, suspensão de aulas quando do surgimento dos primeiros casos, ainda que em determinada cidade não existisse o mais remoto indício de nenhum caso confirmado do vírus; depois, proibição de aglomerações de 500 pessoas pelo governo do estado; logo após, proibição de aglomerações de 100 pessoas pelo prefeito (como que cada um tivesse dados diferentes que o fizessem agir de formas diferentes. Que nada!); depois, proibição de aglomeração de 50, 30, 20, 10 pessoas; até a tentativa de decreto de fechamento das entradas de municípios, tudo isso em menos de uma semana, levando o pânico injustificado à população, que, de início colaborou, mas agora se veem infrutíferas as tentativas de aumento do isolamento social, pois o "remédio" foi dado cedo demais e de maneira inconsequente. Resultado: agora que se precisaria, de fato, de maior isolamento, as autoridades não conseguem exercer o seu poder pois “queimaram” etapas no afã de marcarem posição para o seu eleitorado lembrar de suas fotografias na urna eletrônica.
Desperdiçaram medidas importantes antes da hora, e agora se veem diante da impossibilidade de implementá-las porque o apelo ao direito ao trabalho e sustento da família se faz tão imperioso quanto a pressão exercida no sistema de saúde, motivo maior do afastamento e isolamento sociais. Tão importante quanto este são aqueles, e não se pode ignorar a grande massa de trabalhadores informais, os quais, a despeito da problemática ajuda emergencial do governo, têm a sua gravíssima situação não percebida por quem, de alguma forma, conseguiu manter o seu trabalho e se encontra, dentro do possível, no conforto de seus lares, muitos deles regados a vinho, churrasco, piscina e as famigeradas “lives” que se tornaram mais uma moda da pandemia, as quais serviram, principalmente, pra nos mostrar o quanto aquele cantor é ruim sem uma magaprodução por detrás.
Miram-se em exemplos de países cuja realidade é abissalmente diferente da do nosso país. Ainda hoje vi projeções de um “estudo” sem citar metodologia, como sempre, a afirmar que a pandemia só irá terminar após o Natal. Imagino como estes estudos são tão precisos, que metodologia é essa que descobre a data exata em que tudo isso irá cessar, e coincidentemente a data sugerida é uma de grande apelo e vendedora de notícia. Agora, digam-me, por favor: que país suporta fechar a sua economia por um período tão elástico assim. Entretanto, o tempo irá se encarregar, certamente, de mostrar quais estudos se mostraram efetivos, pois ele não falha e é senhor da razão.
Tivessem sido as medidas realmente norteadas por estudos sérios e  associação de sentimentos de estadistas dos quais carecem a maioria dos nossos representantes que,  por direito têm o poder legítimo de autoridade, o resultado, sem nenhuma pretensão de exercício de futurismo, poderia ser diferente. Mas os orgulhos, interesses e ideologias são por demais arraigados e impregnados no íntimo dos que a exercem da pior maneira possível.
Diante de tudo isso, não seria de se estranhar a situação em que nos encontramos. Tamanhos desencontros na maneira de tratar de tema tão sensível nos exige, enquanto país, lutar não somente contra o inimigo comum da doença, mas também contra tantos outros não menos perigosos quanto a falta de unidade na retórica, na dialética que resvalam neste caminho tortuoso que não é bom pra ninguém, visto que, depois de tudo -  e virá um “depois” - existirá um país a ser reerguido com não menos trabalho do que hoje é requerido por quem de fato tem a responsabilidade de não nos levar ao abismo maior do que aquele que se vislumbra.
     

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