Por LúcioTorres
Quando passo pela rua em frente aos colégios deparo-me com fotos estrategicamente dispostas de rostos alegres traduzidos pelos largos sorrisos estampados, numa estonteante reafirmação diferenciada e destoante dos pobres e vis mortais. Reflexo do marketing agressivo imposto à sociedade como pseudorreferencial de sucesso, estão lá a me mirar as juvenis e brilhosas “meninas dos olhos” dos aprovados no vestibular de medicina pela escola, num extravagante espetáculo a me querer dizer o quanto não sou nada.
Pergunto-me se existe vida além do curso de Medicina. Sim, talvez porque formador de semideuses, os futuros e virtuosos detentores do "status quo" divino sejam tamanhamente adorados como santos no altar; numa reafirmação reprodutora, errônea e excludente, a perpetuar no imaginário coletivo e senso comum a ideia de que só os bons cursam medicina, mesmo que se saiba de outras portas de entrada para inúmeras escolas médicas menos nobres neste universo, caracterizadas pelas do Estado Castrista e afins universidades sul-americanas, ou pelas particulares mercantilistas que cobram pequenas fortunas de mensalidade de seus futuros “doutores” - aliás, na realidade, é doutor quem concluiu o curso de doutorado. Estas, vendem a peso de ouro o título tão desejado e estimulado pelos diversos estabelecimentos de ensino que tomam como referencial e termômetro do seu sucesso e do alunato a aprovação única e exclusivamente, em Medicina - com M maiúsculo.
Exaltados em discursos bajuladores estratégicos, os “feras”, como são ainda chamados numa anacrônica terminologia não condizente com a realidade, já que nem se precisa ser tão fera assim para ingressar em algumas faculdades, inclusive no tão alardeado e santo curso, são o centro das atenções, fim desejado e garotos-propaganda da escola que se gaba como a melhor do mundo. E os outros? Ah, os outros são os outros, e só; reles coadjuvantes não merecedores da glória reservada para os que estão num patamar acima, afinal, quem mandou escolher outro curso? - conforme palavras de renomado professor. Novamente me pergunto se só existissem médicos, como seria a sociedade. Restringir a importância do vestibular a um curso é restringir a multiplicidade dos elementos que formam aquela. É pequenez e erro pedagógico brutal para com a massa heterogênea do corpo discente que será o futuro desta mesma sociedade que se apequena quando privilegia uma classe em detrimento de outras não menos importantes. Resultado disso, talvez, sejam os exemplos de médicos que vemos pululando os hospitais da vida, sejam públicos ou nem tanto, os quais sequer tocam no paciente. Insensíveis, traduzem a vocação que não possuem, porque procuraram unicamente o destaque social corroborado por toda sorte de louros dispensados pela escola e sua propaganda discriminatória e excludente.
Façamos um pequeno exercício e imaginemos um mundo só de médicos. Não haveria professores, engenheiros, arquitetos, encanadores, eletricistas e essas outras profissões menos nobres - na concepção escolar. Quem haveria de ensinar aos filhos dos ilustríssimos doutos? Quem construiria suas casas? Quem projetaria uma nova decoração, quando a antiga lhes trouxesse monotonia e tédio? Quem desentupiria o esgoto do seu prédio? - Sim, porque até os médicos produzem esgoto, como todo o mundo - Quem, enfim, lhe ligaria as luzes, daria à luz uma pessoa mais decente e verdadeira?
É que tudo não passa de superficialidade, hipocrisia e insensatez no âmbito de uma escola superficial, hipócrita e insensata que se distancia com uma velocidade galopante de valores éticos que visem à evolução humana e à construção de uma sociedade menos ruim do que a que temos hoje. Com essa postura equivocada de valorização de uma parte em detrimento do todo, tudo caminha por caminhos tortuosos os quais não se sabe bem aonde nos levarão, mas que se pode também imaginar.
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