terça-feira, 19 de dezembro de 2017

O whatsapp e a imbecilização humana

                                                                                      Por Lúcio Torres

  
Que a internet e suas diversas plataformas vieram para ficar, não restam dúvidas. Afinal, quem ousa imaginar o mundo sem as facilidades, sobretudo comunicativas, da pós-modernidade? Com o seu advento, nas últimas décadas, e sua constante progressão quanto ao número crescente de usuários, é mais que perceptível a sua abrangência e influência decisivas nas relações humanas contemporâneas.
A globalização, nas suas mais variadas formas e estágios, diminuiu as distâncias, extinguiu as fronteiras, aumentou a velocidade da informação e a universalizou, embora os efeitos produzidos, de certa forma, parecem ter levado a um caminho inverso quando observamos, paradoxalmente, o distanciamento das pessoas e, concomitantemente, a perda de tempo com questiúnculas supérfluas úteis em nos roubar o tempo e nos desviar a atenção do essencial, simples e primitivo da vida.
Importa assinalarmos o altíssimo grau de dependência que a sociedade hodierna conseguiu agregar, a ponto de ficar refém – e isso não é um exagero. Experimente ficar um dia inteiro sem o celular – da rede mundial. Constata-se sua influência no comportamento e relações interindivíduos, tendo como resultado o constante e progressivo distanciamento entre os atores, por mais contraditório, repito, que pareça.   
Não é difícil, ao contrário, averiguar-se que, embora presentes as pessoas são distantes.  Isso em todas as esferas ou grupos sociais, quer seja na família, na escola, na rua, no trabalho, na repartição pública – ou privada – , no lazer, enfim, em todos os locais possíveis nos quais haja uma rede wi-fi, lá está a internet e o celular, amigos inseparáveis, como um obstáculo onipresente à nossa primária forma de interação.
Ao se caminhar nas ruas, cruzamos com zumbis errantes, daqueles que aparecem no cinema. Em toda parte, pra onde quer que a vista aponte, percebe-se uma massa alheia ao que acontece ao derredor, concentrada no aparelhinho celular, contribuindo para o surgimento de uma geração de pessoas de “pescoço caído” – os fisioterapeutas que o digam. Isto é por demais sério, porém não me parece ser tratado com a seriedade merecida por quem de direito.
Como tudo que o homem bota a mão – desde os primórdios bíblicos – é afetado intrinsecamente pela sua capacidade e vocação de estragar o que é bom, não acontece diferente com a internet e suas derivações aplicativas, entre elas a mais popular em nosso meio, o famigerado whattsapp e sua ferocidade em alastrar boatos, atrofiar mentes e imbecilizar pessoas.
Falando dessa forma, parece que não há nada que se aproveite nesta plataforma. Não é bem assim. Como outras invenções não menos importantes, o problema não está nelas em si, mas em nós e em todos os nossos defeitos que se perpetuam ad infinitum por séculos e séculos sem fim – me perdoe a redundância. Como dito, o homem tem uma capacidade inata de deturpar, piorar e corromper o que é bom. Eis a questão! Parece-me que o aplicativo nada mais faz do que desnudar realmente o homem como ele se apresenta: falho. E aqui não há barreiras de ordem cultural, social, política, ideológica, ou o que quer que seja que nos faça escapar de nossa própria insensatez. Todos nos transformamos num só idiota.
Neste ponto, cabe uma análise mais apurada.  Mesmo pessoas com formação e grau de instrução diferenciados parecem sucumbir diante da bestialidade a que são submetidos e se deixam levar por ela, acabando por se tornarem sujeitos desprovidos de senso crítico, embarcando num status quo característico do senso comum. Tal observação corrobora para uma falha crassa na educação a que foram submetidos, educação esta que não se restringe unicamente à oportunidade de frequentar “bons” colégios. Estes indivíduos, de quem se esperava pelo menos um fio de sapiência, nos fazem refletir e indagar sobre em qual estágio o processo educativo não se realizou – sobre isto muito teríamos que discorrer: as faltas da educação, da escola e por que não dizer, da família.
Particularmente me chama a atenção no uso da ferramenta a postagem de notícias sem verificação de autenticidade. Não se deve esquecer que, dado às características da rede, a velocidade da informação é impressionante, tanto quanto a ânsia pelo “furo” de reportagem – sim, pois na era da internet todos somos jornalistas, repórteres, enfim, imprensa. Porém, a fonte quase nunca é checada, como o fazem os jornalistas de verdade, pois isso dá trabalho e leva tempo, o que não é interessante no que concerne à rede mundial – a “perda de tempo”. Assim, lá se vai uma notícia falsa se alastrando como fogo posto num rastilho de pólvora. Essa armadilha é democrática. Ela atinge a maioria dos usuários, independentemente do grau de instrução e já implicou problemas e aborrecimentos para pessoas que sofreram processos caluniosos e difamatórios. Motivo pelo qual, dado a esta característica do aplicativo, ou melhor, de quem o usa, não é prudente usá-lo como meio de se informar.
Não bastasse tudo isso, cabe ainda somar os inúmeros mal-entendidos entre os interlocutores, próprios da dificuldade natural de se escrever o que se está falando, haja vista as diferenças entre a língua escrita e falada, o que tem levado – não raramente – a discussões e/ou desavenças entre “amigos”. Sem falar nas duas barras azuis que “entregam” quem viu a mensagem, a qual, se não respondida a contento e no tempo esperado, dá margem a interpretações, nem sempre corretas – pelo menos não para quem as deduz – do emitente.
Problemas de ordem psicológica também são afloradas e traduzidos pela ânsia de se ser correspondido e intensificados por uma autoestima baixa e pela necessidade de aceitação no grupo social. Desta forma, são desnudados comportamentos, nem sempre saudáveis, de uma sociedade que, por sua vez, mostra-se doente sob os mais distintos pontos de vista.
De novo, parece não ser a ferramenta perversa em si mesmo, mas aqueles que carreiam por meio dela toda sorte de vícios, os quais, outrora, eram concretizados por outros recursos, mais lentos, menos abrangentes e menos efetivos na disseminação de informação, como a velha fofoca ao pé do ouvido em grupos sociais restritos, por exemplo.
Carecemos, portanto, de exercer em plenitude os tão fora de moda valores éticos. “Tudo posso, mas nem tudo me convém”, parodiando Saulo de Tarso. Os sujeitos necessitam tomar para si a responsabilidade da saudável convivência e respeito pelo outro. Não é porque tenho à disposição um instrumento que me dá voz ativa e capacidade de ser ouvido, que posso usá-lo indistintamente ao meu bel prazer. Este é um problema ainda a ser equalizado dentro da rede mundial e depende de fatores outros aqui citados, como a educação. No entanto, tudo parece estar contaminado por algo bem maior. Neste sentido, algumas perguntas poderiam ajudar no seu discernimento: Eu postaria este ou aquele conteúdo em um outdoor? A minha postagem contribui, de alguma forma, para a edificação de quem as lê? Eu gostaria de receber uma mensagem igual? – esta, propriamente pode não ser tão efetiva. Perguntas assim, de certo, ajudariam muito na melhoria e na seletividade do conteúdo que se vê por aí, estampado nas mensagens de texto ou imagens e vídeos que empanturram a memória do celular com a superficialidade humana.
Mas não tomem como por demais pessimistas as assertivas acima, visto que ainda há esperanças. Apesar de todos os malefícios, vislumbra-se uma luz no final do túnel cada vez que a plataforma é usada de forma responsável – como deveria ser sempre –, não fosse o homem este ser intrínseca e extrinsecamente complexo demais para só realizar coisas boas.