Por Lúcio Torres
Que a internet e suas diversas plataformas
vieram para ficar, não restam dúvidas. Afinal, quem ousa imaginar o mundo sem
as facilidades, sobretudo comunicativas, da pós-modernidade? Com o seu advento,
nas últimas décadas, e sua constante progressão quanto ao número crescente de
usuários, é mais que perceptível a sua abrangência e influência decisivas nas
relações humanas contemporâneas.
A globalização, nas suas mais variadas formas
e estágios, diminuiu as distâncias, extinguiu as fronteiras, aumentou a
velocidade da informação e a universalizou, embora os efeitos produzidos, de
certa forma, parecem ter levado a um caminho inverso quando observamos,
paradoxalmente, o distanciamento das pessoas e, concomitantemente, a perda de
tempo com questiúnculas supérfluas úteis em nos roubar o tempo e nos desviar a
atenção do essencial, simples e primitivo da vida.
Importa assinalarmos o altíssimo grau de
dependência que a sociedade hodierna conseguiu agregar, a ponto de ficar refém
– e isso não é um exagero. Experimente ficar um dia inteiro sem o celular – da rede
mundial. Constata-se sua influência no comportamento e relações
interindivíduos, tendo como resultado o constante e progressivo distanciamento
entre os atores, por mais contraditório, repito, que pareça.
Não é difícil, ao contrário, averiguar-se
que, embora presentes as pessoas são distantes. Isso em todas as esferas ou grupos sociais, quer
seja na família, na escola, na rua, no trabalho, na repartição pública – ou
privada – , no lazer, enfim, em todos os locais possíveis nos quais haja uma
rede wi-fi, lá está a internet e o
celular, amigos inseparáveis, como um obstáculo onipresente à nossa primária
forma de interação.
Ao se caminhar nas ruas, cruzamos com zumbis
errantes, daqueles que aparecem no cinema. Em toda parte, pra onde quer que a
vista aponte, percebe-se uma massa alheia ao que acontece ao derredor,
concentrada no aparelhinho celular, contribuindo para o surgimento de uma
geração de pessoas de “pescoço caído” – os fisioterapeutas que o digam. Isto é
por demais sério, porém não me parece ser tratado com a seriedade merecida por
quem de direito.
Como tudo que o homem bota a mão – desde os
primórdios bíblicos – é afetado intrinsecamente pela sua capacidade e vocação
de estragar o que é bom, não acontece diferente com a internet e suas
derivações aplicativas, entre elas a mais popular em nosso meio, o famigerado whattsapp e sua ferocidade em alastrar
boatos, atrofiar mentes e imbecilizar pessoas.
Falando dessa forma, parece que não há nada
que se aproveite nesta plataforma. Não é bem assim. Como outras invenções não
menos importantes, o problema não está nelas em si, mas em nós e em todos os
nossos defeitos que se perpetuam ad
infinitum por séculos e séculos sem fim – me perdoe a redundância. Como
dito, o homem tem uma capacidade inata de deturpar, piorar e corromper o que é
bom. Eis a questão! Parece-me que o aplicativo nada mais faz do que desnudar
realmente o homem como ele se apresenta: falho. E aqui não há barreiras de
ordem cultural, social, política, ideológica, ou o que quer que seja que nos
faça escapar de nossa própria insensatez. Todos nos transformamos num só
idiota.
Neste ponto, cabe uma análise mais
apurada. Mesmo pessoas com formação e grau
de instrução diferenciados parecem sucumbir diante da bestialidade a que são
submetidos e se deixam levar por ela, acabando por se tornarem sujeitos
desprovidos de senso crítico, embarcando num status quo característico do senso comum. Tal observação corrobora
para uma falha crassa na educação a que foram submetidos, educação esta que não
se restringe unicamente à oportunidade de frequentar “bons” colégios. Estes
indivíduos, de quem se esperava pelo menos um fio de sapiência, nos fazem
refletir e indagar sobre em qual estágio o processo educativo não se realizou –
sobre isto muito teríamos que discorrer: as faltas da educação, da escola e por
que não dizer, da família.
Particularmente me chama a atenção no uso da
ferramenta a postagem de notícias sem verificação de autenticidade. Não se deve
esquecer que, dado às características da rede, a velocidade da informação é
impressionante, tanto quanto a ânsia pelo “furo” de reportagem – sim, pois na
era da internet todos somos jornalistas, repórteres, enfim, imprensa. Porém, a
fonte quase nunca é checada, como o fazem os jornalistas de verdade, pois isso
dá trabalho e leva tempo, o que não é interessante no que concerne à rede
mundial – a “perda de tempo”. Assim, lá se vai uma notícia falsa se alastrando
como fogo posto num rastilho de pólvora. Essa armadilha é democrática. Ela
atinge a maioria dos usuários, independentemente do grau de instrução e já
implicou problemas e aborrecimentos para pessoas que sofreram processos
caluniosos e difamatórios. Motivo pelo qual, dado a esta característica do
aplicativo, ou melhor, de quem o usa, não é prudente usá-lo como meio de se
informar.
Não bastasse tudo isso, cabe ainda somar os
inúmeros mal-entendidos entre os interlocutores, próprios da dificuldade
natural de se escrever o que se está falando, haja vista as diferenças entre a
língua escrita e falada, o que tem levado – não raramente – a discussões e/ou
desavenças entre “amigos”. Sem falar nas duas barras azuis que “entregam” quem
viu a mensagem, a qual, se não respondida a contento e no tempo esperado, dá
margem a interpretações, nem sempre corretas – pelo menos não para quem as
deduz – do emitente.
Problemas de ordem psicológica também são
afloradas e traduzidos pela ânsia de se ser correspondido e intensificados por
uma autoestima baixa e pela necessidade de aceitação no grupo social. Desta
forma, são desnudados comportamentos, nem sempre saudáveis, de uma sociedade
que, por sua vez, mostra-se doente sob os mais distintos pontos de vista.
De novo, parece não ser a ferramenta perversa
em si mesmo, mas aqueles que carreiam por meio dela toda sorte de vícios, os
quais, outrora, eram concretizados por outros recursos, mais lentos, menos
abrangentes e menos efetivos na disseminação de informação, como a velha fofoca
ao pé do ouvido em grupos sociais restritos, por exemplo.
Carecemos, portanto, de exercer em plenitude
os tão fora de moda valores éticos. “Tudo posso, mas nem tudo me convém”,
parodiando Saulo de Tarso. Os sujeitos necessitam tomar para si a
responsabilidade da saudável convivência e respeito pelo outro. Não é porque
tenho à disposição um instrumento que me dá voz ativa e capacidade de ser
ouvido, que posso usá-lo indistintamente ao meu bel prazer. Este é um problema
ainda a ser equalizado dentro da rede mundial e depende de fatores outros aqui
citados, como a educação. No entanto, tudo parece estar contaminado por algo
bem maior. Neste sentido, algumas perguntas poderiam ajudar no seu
discernimento: Eu postaria este ou aquele conteúdo em um outdoor? A minha
postagem contribui, de alguma forma, para a edificação de quem as lê? Eu
gostaria de receber uma mensagem igual? – esta, propriamente pode não ser tão
efetiva. Perguntas assim, de certo, ajudariam muito na melhoria e na
seletividade do conteúdo que se vê por aí, estampado nas mensagens de texto ou
imagens e vídeos que empanturram a memória do celular com a superficialidade
humana.
Mas não tomem como por demais pessimistas as
assertivas acima, visto que ainda há esperanças. Apesar de todos os malefícios,
vislumbra-se uma luz no final do túnel cada vez que a plataforma é usada de
forma responsável – como deveria ser sempre –, não fosse o homem este ser
intrínseca e extrinsecamente complexo demais para só realizar coisas boas.